Saudade e vazio

Com a morte do meu pai, há dois meses, aprendi coisas novas. A maioria delas ligada aos sentimentos, como amor, compaixão, solidariedade e benevolência. Mas depois que ele se foi, também aprendi o verdadeiro significado das palavras vazio e saudade. É um vazio tão cheio que sufoca a alma da gente. É um vazio que só mesmo a morte de alguém que você ama é capaz de te proporcionar. Um vazio na vida. Um vazio naquele número de telefone textopaique você soube de cor durante anos e que nunca mais vai aparecer no visor do seu celular. Um vazio de futuro de saber que vai faltar alguém para conversar com você sobre os heróis da mitologia, a história do país, as peculiaridades das religiões e a vida de Mozart e Chopin e da sua própria vida. Um vazio naquele canto da sala onde as pernas se esticavam para a televisão. Um vazio do som do chinelo que não mais se arrastará pelo corredor. Um vazio de alguém que um dia tão bem preencheu um espaço.

Meu pai foi cedo. Talvez não pra ele, mas sim pra mim. Se eu viver até os 65 anos, serão mais 30 anos sem pai. Como é que faz desse jeito? Fazendo, respondem todos que lidam com situações similares bem antes de mim.

Mas a saudade é um sentimento interessante. Assim como as lembranças. Parece que quando você sente a saudade de alguém que está vivo as imagens são mais nítidas. Talvez porque basta comprar uma passagem e fazer uma visita. Se a visita for impossível, uma ligação, uma mensagem ou qualquer sinal de fumaça. Você sabe que um abraço ainda será possível. E ainda dá para ouvir a risada, a voz e o suspirar. Além de acompanhar o andar, o jeito como a pessoa mexe no cabelo e como faz aquela dancinha engraçada ao ouvir sua música favorita.

Quando a pessoa morre, todas essas imagens aparecem misturadas numa fração de segundo, como um flash back em uma cena de filme. A risada do meu pai ecoa na minha mente, assim como o “oi, filha” que ele soltava ao telefone. Guardo na minha memória os últimos instantes que tive com ele antes do AVC. Ele estava na minha casa, em São Paulo, e assistíamos CSI, uma das suas séries favoritas. Eu deitada no colo dele. Ele entretido com os personagens e com o controle da televisão. Eles nunca se entenderam. E a saudade está lá, dia após dia, noite após noite. E o que você faz com ela? Nada. Absolutamente nada. Ela é sua, só sua. Vira-te. Enrola a saudade no cobertor, faz um carinho e fica ali embalando o sentimento até ele pegar no sono e acordar outra vez. Tá aí uma saudade bem sentida mesmo.

Em muitos momentos você se pega sem querer ver fotos e cortando as lembranças pela metade que é para não deixar que elas fluam e se intensifiquem. Às vezes se entrega. E consegue até sorrir no meio delas. Um amigo que também perdeu o pai disse que tinha sonhos tão reais com o dele que a saudade até amenizava. Dia desses sonhei com o meu. Ele lia um livro do Dorival Caymmi e perguntei por que uma biografia tão densa se ele nem gostava de Caymmi tanto assim. Ele disse que tem lido muito ultimamente. Perguntei como é que estavam as coisas por lá. Ele deu uma risadinha, a dele, que sempre misturou a timidez com sua alma discreta, e disse que tudo ia muito bem, muito bem. Acordei. E sorri. Meu amigo bem que tinha razão. Haja sonho para tanta saudade. E peito para tanto amor.

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