A mentira no caos

A brisa do outono em pleno Verão aliviava um pouco o mal-estar, mas não o suficiente para que ele cessasse. A dor estomacal e os enjoos persistiam, mas a febre já havia dimunído e eu precisava trabalhar. Resolvi encarar o ônibus mesmo assim. Seria rápido. Era só descer a Brigadeiro e, pronto, chegou. Esperei por uma unidade com ar condicionado e não foram necessários mais de cinco minutos para esse sonho tornar-se realidade. Sorte dizzyno meio do caos? Senti como se fosse a flor de Lótus da metrópole.
Ao passar a catraca, aquela visualizada 180 graus no ônibus para identificar os assentos vazios e o mais próximo de mim era um preferencial. Escorei ali mesmo, visto que não tinha nenhum perfil que devesse ocupar aquele lugar. Sentei, não sem antes me recriminar por esse ato indefensável e me questionando se não tinha mesmo forças para andar mais um pouco até o final do ônibus. Não, eu não tinha. Emiti um sorriso amarelo para o senhor ao meu lado e um boa tarde. Força do hábito. Ele respondeu de maneira efusiva e imediatamente tive a certeza de que, sim, ele ia puxar assunto. Não, não, não, repetia meu post it mental. Oi, você está grávida?, perguntou aquele homem dos seus 70 anos, de chapéu e óculos escuros sem nenhum tom de recriminação, mas sim curioso para saber em qual dos modelos de preferencial eu me encaixava e querendo puxar papo. Eu sabia. Sabia. Meu feeling falha pouco.

Estou, sim, respondi me arrependendo um milésimo de segundo depois sabendo que não conseguiria sustentar a mentira caso aquele senhor decidisse conversar durante todos os dois quilômetros e meio do meu percurso. Não conseguiria porque nunca encarei uma gestação para ter fatos para contar. Mas eu também não queria explicar que estava daquele jeito desde que tinha voltado da Amazônia. Ela ia perguntar se não era malária, se tinha tomado vacina para a febre amarela, se não era dengue e por aí vai. Eu precisava falar pouco. Estava passando mal. Muito mal. E se chegasse alguém do preferencial para sentar ali já tinha prometido a mim mesma que iria para o final do ônibus nem que fosse engatinhando.

E de quantos meses? Três meses, respondi olhando para a barriga e imaginando que dava para enganar. Já sabe o sexo? Não, ainda não, devolvi sem saber se com três meses já era possível ou não descobrir. Agora sei que é, mamães, mas com um exame meio caro e tal, certo? Nomes? Ahahaha. Universo me tira daqui, por favor, eu não queria fazer isso, mas foram as circunstâncias. Nunca mais isso se repetirá, Universo. Eu prometo. Joana, se for menina, enquanto realmente sentia vontade de vomitar, mas a essa altura eu já não sabia se a culpa era do nervoso ou do jambu.

Trufa, trufa. Compre uma trufa e faça uma criança feliz, adentrou gritando o vendedor ambulante no ônibus contando a história do local onde trabalha e que atende crianças em situação de risco. O senhor ao meu lado logo esqueceu a gravidez e passou a reclamar que essas pessoas sempre entravam aos berros nos ônibus e atrapalhavam o cochilo dele. Enquanto ele reclamava, eu agradecia.

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