Eu, na floresta

Para alguns eu contei pessoalmente. Para outros foi o mundo virtual que se encarregou de transmitir a notícia. Tem quem acompanha essa minha nova jornada que aos poucos ganhou forma desde o começo. Outros, nem tanto assim. Poucos, bem poucos, me chamaram de louca. Muitos se empolgaram mais do que eu e com eles entendi a dimensão da minha odisseia e da sombra da vida que rodeia a todos nós e percebi que a coragem é o principal antídoto contra o medo, a angústia e a inércia.

Ter pedido demissão foi só um passo. Antes de chegar até esse dia eu precisei cavar. Cavar fundo o mundo e os sentimentos para tentar sanar as questões existenciais que me assombravam diariamente. Para que eu acordava cedo para ir trabalhar? Estava feliz em entregar minha energia, meu tempo e minha disposição com aquelas empresas? Continuaria a ter estômago para atuar com situações que iam contra meus valores?

Enquanto não encontrava as respostas, trabalhei, fiz cursos pessoais e profissionais, aprendi a meditar, fiz terapia, corri, pedalei, viajei, escrevi, plantei, dancei, ouvi música, ouvi as pessoas, cantei, silenciei, me retirei, retornei, me tornei vegetariana, encontrei amigos, ri, chorei, separei, entendi o amor, perdi meu pai, entendi a saudade, aprendi a cozinhar, desapeguei, diminuí o consumo, doei , tirei a poeira, vi, revi e revirei. E foi então que uma luz se acendeu. E ela teimava em não se apagar, como se fosse a luz no fim do túnel que resolveu morar em mim, iluminando tudo ao meu entorno. Então eu entendi.

Em alguns meses saio para um período sabático. Vou percorrer a Amazônia em busca dos moradores da floresta e aprender. Aprender a relação deles com o tempo, com o dinheiro, com o consumo, com as tradições e com o meio ambiente. Quem são essas pessoas que habitam a selva? Que comunidades são essas que podem desaparecer? Ribeirinhos, quilombolas, indígenas, criadores de búfalos, produtores de açaí, pescadores, quebradeiras de coco, produtores de capim dourado e todos os seres humanos que a imensidão da floresta permitir que eu tenha contato.

Mas por que a Amazônia? Porque quando voltei de lá em janeiro deste ano tudo deixou de fazer sentido para mim. Ao pisar em São Paulo, meu olhar em relação ao Brasil estava modificado por completo. Todos os meus conceitos sociais, políticos e geográficos se esvaíram. Dormi em duas comunidades ribeirinhas distintas e me dei conta de como a minha visão em relação ao Brasil é completamente limitada e deturpada pelo meio em que eu habito.

Comecei a ler sobre a Amazônia e seus personagens. Sobre a época da borracha, da escravidão dos seringueiros e a maneira como eles se uniram e lutaram para conseguirem a liberdade. Sobre como o Exército incentivou o desmatamento da floresta para levar o progresso e defender fronteiras. Sobre como a ditadura maltratou e matou índios. Sobre os rios e os animais, sobre a importância da floresta para o mundo. E, desde então, eu nunca mais tive um só minuto de sossego.

Foi quando percebi que também integrava um sistema que eu mesma colocava em xeque diariamente, que é a roda da vida de trabalhar para pagar contas e consumir e comprar um apartamento e depois comprar um maior e depois trocar de carro e depois comprar mais roupa e depois um armário novo para caber as roupas e depois trabalhar mais e mais horas. E sentir que faltava tempo para ler, cuidar das minhas plantas, ir à feira de orgânicos, passar mais tempo com a minha mãe, com o meu pai, com os meus sobrinhos, com os meus irmãos. Mais tempo para viver. E para quê? Por quê? Para quem? Foi aqui que a luz se acendeu. E pela primeira vez não sinto que estou jogando tudo para o alto. O que eu sei é que o alto é o lugar para onde vou.

Tocantins, Maranhão, Amapá, Pará, Roraima, Amazonas, Acre, Rondônia e Mato Grosso. Vou ter um blog, o Eu, na Floresta, para documentar toda a viagem, com fotos, vídeos e textos. Espero que assim eu possa transmitir para vocês quem são essas pessoas que estou trombando floresta afora. Como elas vivem, como chegaram até ali, seus sonhos e medos, suas relações interpessoais e com a mata. Vamos juntos começar a prestar atenção numa parte do país que muitos nem sabem que existe e, por isso, não se importam com nada o que acontece por aqueles caminhos e rios, como as hidrelétricas. E isso é só um exemplo. Eu também já enxerguei a Amazônia assim, mas ao sobrevoá-la pela primeira vez eu já sabia que uma árvore nascia em mim. Minha proposta é: Vamos juntos ecoar os sons da selva e dar voz aos guardiões da floresta.

Volto em breve com novidades. Enquanto isso, se você tem alguma dica ou sugestão daquele mundo, mundo, vasto mundo, escreve, liga, me manda uma mensagem e vamos tomar um café, uma cerveja ou um suco de cupuaçu. Se você tem algum amigo que mora em qualquer um dos estados do Norte, me apresenta? Aos amigos e parentes que estão comigo nessa jornada, o meu muito, muito, muito obrigada. Por tudo. Por terem aceitado meus convites para almoçar. Por terem me ouvido. Pelas aulas de fotografia. Por terem me incentivado. Por já terem se tornado uma grande rede amazônica de conselhos, contatos, aulas e colaboração mesmo antes de eu ter atado minha rede no primeiro barco. O nome de vocês já está gravado na sumaúma gigante e centenária que está crescendo em meu coração.