Um estranho ao meu lado

Estação Vila Madalena. Tarde da noite. Metrô vazio. Me acomodo e tiro o livro da mochila. Um homem senta ao meu lado. Olho em volto e constato o que já sabia: metrô vazio. Por que ele sentou ao meu lado? Parabéns, ele disse antes mesmo que eu pudesse ensaiar me levantar. Não sei bem porque, mas agradeço. Você está lendo Guerra e Paz, disse ele, com um fio de suor que escorria pelo lado direito do rosto e os óculos embaçados. Eu li a mesma edição que a sua, mas como começou a ler agora sugiro que você compre a da Cosac Naify. É, traduzido direto do Russo, eu sei, respondi. Expliquei os motivos que me levaram a ler aquela edição de bolso e um deles era o livro caber na mochila para ler no metrô. Ele disse que era fã do anarquista Tolstói, que já tinha lido Ressureição, Anna Karenina, Ivan Ilitch e agora estava debruçado sobre os contos recém lançados também pela falecida Cosac Naify.

Já sabendo que não haveria tempo para a leitura, guardei o livro de volta na mochila. Ele disse que estava voltando de um amigo secreto e que tinha ganhado dois livros do Dostoievski, mas que um deles tinha em casa, o Noites Brancas. Perguntou se eu já tinha lido e diante da minha negativa me ofereceu o livro de presente. Respondi que entre meus amigos sou conhecida por aceitar tudo o que me oferecem, de comidas a livros, que era melhor ele pensar melhor. Ele tinha uma estação para decidir até eu saltar do metrô. O livro é seu, leva, boa leitura. Poxa, obrigada. Minha estação. Levantei e saí. Ainda antes do metrô continuar o percurso tentei saber o nome daquele cara de barba longa, tênis All Star e com gotas de suor que não cessaram nem mesmo com o ar condicionado, mas ele já não me via. Tinha tirado o seu livro da mochila e estava envolto em outro russo, Nikolai Gógol e o livro O Capote. O metrô partiu. Tchau, homem de barba. Tchau Cosac Naify.